O Nascimento da Arte Teatral na  Bahia.

Falar do início da atividade teatral na Bahia colonial, significa tratar do nascimento do teatro no Brasil, posto que, em virtude da condição de sede do Governo Geral da Colônia, gozava a  capitania da primazia das medidas adotadas para o seu desenvolvimento. Para Afonso Rui, “...Não é exagero se afirmar que, por quase três séculos, a vida da colônia se processava na Bahia. Não só administrativa porque Soterópolis tinha o primado do poder e da cultura. Como manifestação do espírito, o teatro havia de ter a suas primícias na Bahia. E assim o foi.”[1]. E mais, nesse particular, o historiador do teatro tem uma posição taxativa quanto a possibilidade de se escrever  uma história do teatro no Brasil, desconsiderando a Bahia como sendo o seu berço.

“As tentativas de se escrever a história do teatro no Brasil, excluindo-se pesquisas nos arquivos provinciais, sobretudo da Bahia e de Pernambuco, hão sempre de redundar em fracasso , por isso que ou se fará tão só uma resenha do movimento evolutivo da Capital do País ou,  displicentemente, se praticará criminoso silêncio com propositada omissão das origens, preferindo falsear a verdade, aliás muito ao sabor da época em que vivemos, onde a pressa é condição de êxito.”[2]

Assim sendo, concordam vários autores que, além de ter sido a Bahia berço do teatro no Brasil, são as suas primeiras manifestações cênicas  obras de jesuítas, que fizeram teatro como instrumento de catequese[3].

Estando os colonizadores portugueses habituados na metrópole às representações mas, não se adaptando essas aos fins de catequese, encarregaram aos jesuítas de fazerem-no em Autos. A esse propósito nos diz  Sábato Magaldi “... parecem uma composição didática de quem tinha um dever a cumprir: levar a fé e os mandamento religiosos  à audiência, num veículo ameno e agradável, diferente da prédica dos sermões. Acresce que os índios eram sensíveis à música e à dança, e a mistura das várias artes atuava sobre o espectador com vigoroso impacto.” [4]

Exemplo desta prática é o auto - “Na Festa de São Lourenço - , representado em 1583 no terreno da capela de São Lourenço, em Niterói, e de autoria de José de Anchieta, e que foi escrito em três idiomas o português, o espanhol e o tupi - de linguagem simples  e pressupostos elementares como cabia  ser a uma obra com objetivos catequéticos. O  “auto” é colorido, com cenas de martírios, canto, luta, enterro e dança. Martirizado São Lourenço, aparecem três diabos tencionando destruir a aldeia, incutido-lhe o pecado. Guaixará é o rei dos diabos e Aimbirê e Saravaia seus servidores. Esses nomes são tomados aos índios tamoios que se aliaram aos franceses contra os portugueses. O inimigo terreno  identifica-se assim com o inimigo religioso, reforçando a simbolização maléfica que se queria dar aos presumidos demônios. [5]

É válido notar que ao instrumento de catequese, os padres jesuítas buscaram articular a prática teatral ibérica com a estrutura cultural indígena que é basicamente centrada no simbólico e que na sua concepção, é a face  do real e não a sua representação,( como ocorre com  o entendimento dos europeus e portugueses ) no universo da mentalidade indígena, o símbolo e o real são na verdade uma única coisa, as potências da divindade constituem-se das manifestações da própria natureza. Ao incluir  os próprios índios nas representações de caráter festivo em datas especiais, mobilizando todos os habitantes das aldeias, ensaiando-os e incumbindo-os da representação de vários papéis, os jesuítas conseguiam compenetra-los muito mais do que com ensinamentos enunciados.

Para Sábato Magaldi  a coincidência ou  a peculiaridade do processo colonizador brasileiro, terminou por levar o teatro nacional, nascendo das festividades religiosas, a se assemelhar à tragédia e à comédia grega, vez que aquelas foram o apogeu das festas de culto à Dionísio. Conferindo assim ao teatro nacional, uma  marca comum ao início do teatro em todo o mundo ocidental.[6]  

Afonso Rui relacionou em sua obra os autos que teriam sido representados na  Bahia ainda no século XVI, por parte dos padres da Companhia de Jesus e Inacianos, e interpretados pelos meninos do Colégio do Terreiro de Jesus, que seriam :

1564 – Auto de Santiago; 1581 – Tragicomédia – no dia da Transladação das relíquias das Onze mil Virgens; 1583 – Auto das Onze mil Virgens; 1583 – Auto Pastoril; 1584 – Diálogo Pastoril; 1584 – Auto das Onze mil Virgens. Para ele a semeadura do teatro nacional foi feita no século XVI, nos palcos levantados em Salvador e São Vicente, sendo que as conseqüências posteriores dessa estratégia foram bastante compensadoras. do ponto de vista dos colonizadores Tornou-se o teatro ou a prática teatral índice de cultura, depois de ter sido um método de colonização, para catequização dos indígenas.[7]

É ainda através do mesmo autor que sabemos que a primeira sala de Teatro do Brasil foi construída na sala de seções da  Câmara de São Salvador da Bahia em 1729, por ordem e as custas de D. Vasco Fernandes César de Menezes - Conde de Sabugosa . Surgida em 1729, a mesma foi demolida em 1734, em função de Carta Régia de  01 de Outubro de 1733, havida em função de desentendimentos entre a Câmara e o Ouvidor Geral José dos Santos Varjão[8].

Entretanto, ainda segundo Afonso Rui, teria existido em 1760, o Teatro da Praia, de propriedade de Bernardo Calixto Proença, que o fizera construir por ordem do Senado da Câmara, contando o mesmo teatro com vinte e oito camarotes, platéia e palanques para a divisão entre povo, nobreza e mulheres comuns. Tendo contratado com a Câmara, o mesmo Bernardo Calixto Proença, a 01 de Outubro desse ano,  três espetáculos públicos ao preço de 1:000$000(um conto de réis), em comemoração ao casamento da princesa do Brasil D. Maria, ( depois Rainha Maria I )com o Príncipe D. Pedro[9]

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[1] Afonso Ruy .História do Teatro na Bahia. Séculos XVI a XX. Publicação da Universidade Federal da Bahia. : Salvador, 1949. p.07.

 

[2] Idem.Ibidem.

[3] Sobre a origem do teatro no Brasil, ver : Afonso Rui - História do Teatro na Bahia, Sábato Magaldi - Panorama do Teatro Brasileiro,  Sílio B. Júnior - O Teatro na Bahia. da Colônia à República, e Nelson de Araújo - História do Teatro.

[4] Sábato Magaldi, Op. Cit. p.16.

[5] Idem. p.21e 22.Afonso Rui, Op. Cit. p.18

[6] Idem. p.24

[7] Afonso Ruy. Op. Cit. P.19

[8] Sobre esse ponto ver : Sílio B. Júnior. O Teatro na Bahia. Manuel R. Querino. Teatros da Bahia. In : Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. N.º 35 v.16 ano XVI 1909.

 [9] Afonso Rui. Op. Cit. P. 26 e 27